Honram-me lendo meus escritos...

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Lembranças

Imaginando-me refletido nas contas castanhas de seus olhos, fico a me perguntar: como pude não entender que tê-la plenamente era tudo que eu deveria desejar e não tive boa vontade para tal.Por que nunca quis entender e aceitar que o amor é efêmero, um perfume falsificado de uma grife importante. Tem cheiro deveras agradável, entretanto não permanece na pele por muito tempo.Culpo-me por não perceber, por menos sutil que fosse o acontecimento, que o cume do monte de meus anseios sempre deveria ter sido você e agora, em meio à brancura apassivadora e fúnebre desse local, tudo fica mais compreensível.

Você me olha, não olha?Podes não me ouvir, porém posso senti-la.

De todos os instrumentos e facetas criados pela vida com o intuito de encharcar de sarcasmo as roupas de um pobre diabo, nada é tão cruel e eficiente como o Tempo.Esse velho Titã constrói e desaba, afasta e aproxima, encanta e amaldiçoa...Faz com que muita das vezes nós sejamos tristes e insatisfeitos por natureza, temerosos e felizes por praticidade e ainda esperançosos por falta de opção. Espantei-me mais quando conclui que das peripécias e estripulias por ele aprontadas, o Tempo, certamente a mais incrível foi a barganha que fez com o meu destino e o seu, minha cara.
Algumas indagações não deixaram de existir, outras se ocultaram por conveniência tanto minha quantosua. Dávamos tempo ao tempo. E quem sabe o Tempo jogasse? Sim, por que não?Talvez os nossos nomes tenham sido retirados num sorteio aleatório. Pedras que definiram de vez um jogo escatológico e ao mesmo tempo intrigante que misturava prazer, entendimento, lascívia e amizade, mas que graças a Deus, que sempre intervém como um juiz onipotente, o amor gritou: bingo!Nossa cartela assim foi fechada.
Podemos também, quem sabe, termos ficados juntos desde o inicio. E quando digo isso falo da Gênese. Viajamos pelo universo, na nave mãe Terra, sem poder nos ver, assim como esculturas feitas na areia da praia que na verdade sempre estiveram ali até que alguém com o dom de revelá-las retirou o excesso que as cobriam. O tempo é um artista nato. Nos esculpiu de frente um para o outro.
Por que não pára de me fitar? Eu sei que você não para com isso.
Víamo-nos quando crianças e não nos enxergávamos.Você era linda e constante com nunca deixou de ser.Eu era arisco e destemperado como sempre serei.O Tempo quando curto nos trouxe imaturidade e irresponsabilidade e agora, na metade da seara do matrimônio, esperava que nos desse mais calma e sapiência. Ansiava tão somente que quando começássemos a chamá-lo de “Tempos idos” pudéssemos estar completos e intangíveis. Estaríamos uníssonos com nossos sinclaves, tendo não somente momentos de alegrias, que se perderiam, mas também de amarguras que fazem com que nós nos encontremos.Essas podem não ser bem-vindas, entretanto são extremamente necessárias.Devemos ter algo para nos arrepender no decorrer da caminhada.
Você continua a me olhar. Sinto o cheiro dessas lágrimas que estão prestes a explodir nessas contas que são seus olhos. Isso nada me agrada
Nas asas de minhas lembranças o Tempo voa.Tão alto que às vezes se esquece do tempo de agora.Prefere não aterrizar.
De quando em vez sonho com minha juventude. Lastimo que você não esteja ao meu lado. Na verdade, quando Morfeu me toma em seus braços e sigo o caminho das ilusões que me alentam ou perturbam, não possuo mais amigos. Não consigo entender por que, mas também não tenho essa pretensão.Chego à conclusão que os sonhos são viajantes notívagos e inúteis ao extremo para serem decifrados.Talvez você tenha lido “Borges” demais para que eu ouvisse.
Essa minha veste verde (e eu acho que a cor é essa pelo que recordo) não me dá muitas opções de suposta vaidade.Na verdade esse pecado capital é o que menos importa agora.Somente seus olhos e sua voz são necessários.Já pensei em alguns momentos, ainda que não possa, dizer que a odeio para que vá e não mais me veja. Não aceito mais ter que vê-la e não vê-la. Nem você, nem nossos filhos, nem nossos netos ou qualquer um ser vivente que tenha o mínimo vínculo de amizade conosco.Não suporto a impressão de que me olham nos olhos. Mas isto está próximo do acabar. Enfim. Reconheço os derradeiros sons dos passos que me rodeiam.Consigo ouvir até mesmo as sensações de naturalidade do moço de trajes brancos que a acompanha. Deixe-me e fique em paz.O ruído do aparelho que controla esse meu coração que finda de bater por ti se esvai. Deixo-te só neste quarto de hospital.

Lembranças.

Para Alyne Moraes, minha morena.

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