Honram-me lendo meus escritos...

sábado, 21 de janeiro de 2012

Sala de aula

    Como profissional de ensino , muita das vezes me vejo de mãos atadas e por mais que me empenhe na tentativa de evolução do ensino, admito que existe uma reciprocidade na culpa da baixa qualidade do ensino tanto na rede pública como privada. Se por um lado há uma falta de ânimo crônica no corpo docente, devido ao descaso das castas governamentais e baixos salários, não há como negar a apatia doentia de boa parte do alunado que não procura o aprendizado pelo aprendizado. Há uma busca enojante pelo saber somente daquilo que será usado ou não, levantando-se sempre a pergunta:"Para que tenho de saber isso?". O que me preocupa é o fato dessa indagação começar(e já começou há algum tempo,tenham certeza) por conceitos ditos como básicos e necessários para qualquer ser que deseja viver numa sociedade civilizada.
     O desenho a seguir, fiz num dia de questionamento existencial de minha profissão. Ainda assim, caros amigos que muito me honram com suas visitas, digo com firmeza plena que amo meu ofício e não saberia fazer outra coisa.

(clique sobre a figura)

      Costumo dizer, em tom de brincadeira, que lamento muito não ter tido o mesmo privilégio que Drummond, ao nascer. Nenhum anjo torto veio até mim, dizendo no que eu me tornaria. Qual teria sido o motivo da predileção divina pelo célebre escritor e não por mim?
      É claro que o poeta narra essa passagem apenas para enriquecer nossos corações com sua obra literária. Grandes nomes da ciência, filósofos renomados, chefes de Estado, músicos, ao abandonarem o ventre materno não tiveram a menor noção da contribuição que dariam ao mundo. Envoltos num manto, em meio a choros causados por cólicas, não temos grandes idéias que nos valem um Nobel. Tampouco fazemos discursos comoventes e intangíveis que transmitem uma mensagem que atravessa o milênio. I have a dream? Se temos sonhos, como Luther King, não lembramos dos mesmos nessa fase.
      Fora o fato de sermos extremamente importantes para nossos familiares não temos nenhuma serventia no início de nossa jornada. Quando olhamos um bebê não divagamos sobre qual será sua futura função na equipe de pesquisas espaciais ou quantos projetos sócio-educacionais ele idealizará para alavancar o país rumo à extinção da pobreza.
A pergunta que faço é : Por que, cada vez menos, indispomos de paciência e vontade de aprender coisas cuja aplicabilidade imediata não conseguimos enxergar?
      Nesses anos de magistério, convivo com indagações do tipo Pra que tenho de saber isso? Alguns querem realmente ter a informação e outros tentam somente desmoralizar-me mostrando que a Matemática nos toma tempo e esforço preciosos para nada.
Se o assunto em voga é números complexos ou gráficos senoidais, reconheço que fica complicado para que tenhamos a compreensão de sua importância na eletrônica, por exemplo, mesmo por que não objetivamos ser técnicos ou engenheiros, na maioria das vezes. Entretanto, chegamos a uma era em que banalizamos até mesmo a aritmética básica com suas operações fundamentais.
      Certa vez um morador da ilha de Samos comprovou que a área do quadrado cujo lado é a hipotenusa de um triângulo retângulo é equivalente à soma das áreas dos outros dois cujos lados são os catetos da mesma figura. Deu a esse teorema (ou deram a ele) o seu próprio nome. Estava criado o Teorema de Pitágoras sem imaginar sua utilização séculos depois por Leibniz no Cálculo Diferencial, primordial na construção de grandes obras. Euler, ilustre matemático, que fazia incansáveis estudos rodeado de crianças e que teve a infelicidade de perder a visão, pesquisou sobre os grandes números primos de vários algarismos, sem saber que seriam usados em senhas para defesa de informações confidenciais.
       Devemos nos conscientizar de que devemos aprender e descobrir coisas sem a preocupação austera de onde e quando vamos manusear sua s ferramentas.
Tratemos a Matemática, a Física, a Química, a Literatura etc., como quem cuida de um recém-nascido. Gostando dele ainda que atualmente nos consuma as energias e sabendo que dentro em pouco nos dará alegria e orgulho.
       Quem sabe Drummond, anjo que certamente agora é, venha-nos na flor da idade e nos agracie parabenizando não pelo que seremos mas, sim, pelo que nos tornamos. 

Cristiano Marcell

12 comentários:

  1. Cristiano,
    Parabéns pelo belo discurso e pelo "modus vivendi" que escolheu. Não é comum encontrar professores orgulhosos do que fazem. Por circunstâncias fora de meu controle me tornei aeronauta, mas gostaria de ser professor se esse caminho tivesse sido alternativa em algum ponto de meu passado. Abraços e gostei do desenho, JAIR.

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  2. Olá estimado colega,

    Sou Portuguesa, Professora de Língua Portuguesa e História e já nos temos cruzado no blog "Direito de Opinar".
    Estive lendo seu texto, e não foi nada cansativo, porque gosto de ler e aquilo que escreve se lê muito bem. Parece, que está conversando com a gente, sabe?
    Você faz uma análise ao ensino e ao que é ensinar. Difícil encontrar resposta. É ensinando, que se aprende. Julgo que você é Professor de Matemática, e, talvez por isso racionalize o texto.
    Adorei o seu desenho.

    Abraços de luz.

    afectosecumplicidades.blogspot.com

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  3. Enciclopédico amigo, apesar de não lecionar, tenha certeza que sua contribuição com seus escritos nessa blogosfera são de suma importância. Eu o admiro pela boa vontade e compromisso com as postagens de muito boas qualidades.

    Muita Paz, estimado Jair.

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  4. Luz, cara amiga da mãe-pátria, muito lisonjeado fico com a gentileza de seu comentário. Seja sempre muito bem-vinda!

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  5. Amigo, não ique assim tão desanimado, lindo o eu texto, mas percebo sua tristeza, sua desmotivação. Penso que para mudarmo os alunos temos que atingir os pais dos alunos e os professores. Acho que mais difícil que os pais são nossos próprios colegas e é aonde está o nosso maior desafio. Mas, pense no seguinte, não podemos deixar a nova geração de professores se contaminar por aqueles que estão há anos tentando e já desanimaram por não coneguirem. Nosso salário está baixo sim, mas acredito que vai haver mudanças, estão havendo já, está começando pelo lado errado, mas atingirá a nós, então não desanime. O noso trabalho será recompensado e um dia, mesmo que seja velhinhos, estaremos conversando, mesmo que pela net e rindo diso tudo dizendo "valeu à pena!"
    Tenha força, vc não está sozinho nessa viu!!!!!
    Abços
    Cibele

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  6. Cristiano é um prazer conhecer seu blog! Muito bom mesmo! Desde já estarei sempre por aqui. Abraço,

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  7. Caro amigo, ser professor, além de gostar de sê-lo, é ,acima de tudo, um grande desafio na esfera da responsabilidade de transferir saber. Mas pra querer saber, há que se ter interesse.
    Esse teu valioso texto me lembra algo que li de Eugênio Mussak, que diz o seguinte:

    (...)Aprendemos de verdade somente aquilo que possa ser utilizado para transformar nossas vidas para melhor - isto é óbvio, embora pouco observado. Todos nos lembramos de aulas cujo conteúdo não tínhamos a menor idéia para que serviria, depois, em nossas vidas práticas. Algumas matérias eram importantes só porque iriam "cair na prova". Assim, passamos a elaborar modelos mentais que nos permitissem estudar o suficiente para ter sucesso na prova. Mas o que "cai na prova" não necessariamente "cai na vida". Daí, todo aquele esforço na busca de resultados virou treinamento, capacitação para responder questões, e não para usar o novo saber com finalidade transformadora (...)

    Pois é,meu caro, cada instituição educacional tem o seu projeto pedagógico, espero que você possa colaborar da melhor maneira possível desse processo que dinamicamente precisa estar sempre em constante inovação, visto que entrarmo na era da veloz colaboração.
    Um forte abraço!
    (Surrealmente legal o seu desenho)

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  8. Júlio, prezado amigo! O que discuto não é tão somentea boa vontade eterna de sempre aprendermos tudo o que nos é passado. Mussak tinha, em parte razão, não há como discordar.Contudo, a banalização do saber é que me incomoda profundamente.Não precisamos saber dividir, visto que existe calculadora? Não precisamos saber escrever bem, haja vista que de um modo ou de outro as pessoas entederão a mensagem?
    Ainda assim, é muito sadio o fato de termos ponto de vistas opostos e respeito suas colocações!

    Sigamos em frente!

    Muita paz!

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  9. Caro amigo, não creio que tenhamos pensamentos contraditórios, ao menos educacionalmente. Talvez eu tenha me expressado erroneamente.Ou você confundiu. (o texto de Mussak é só um fragmento)
    De qualquer forma eu entendo o que você diz e concordo que temos que assimilar o máximo possível do programa que estudamos. Hoje em dia eu sei que muitos alunos não sabem a tabuada de cor; um absurdo. Pois estão acostumados a apelar sempre para as ferramentas tecnológicas. E sobre escrever, o mais correto possível, é precípuo. por isso que "ler é um ótimo exercício". E o interesse de querer saber, que me refiro, é sobretudo dos alunos.
    Um forte abraço!

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  10. O ensino vem decaindo há muito tempo. Levei um susto quando meus filhos entraram para a escola e não existiam mais os livros que nós estudávamos. Tínhamos livros para cada matéria. E vi que tudo era dado na base dos polígrafos, preparados anteriormente. E eram colégios ótimos. Mas após aquela reforma de ensino... a coisa ficou assim.
    Na verdade, alguns alunos sempre tiveram de ser empurrados; a lei do mínimo esforço impera sempre. Para que ler? Para que saber tanto? É assim que pensam. É o imediatismo que prevalece. E uns contagiam os outros neste mundo maravilhoso das baladas e do mínimo esforço para qualquer coisa que exija disciplina e sacrifício. E hoje o que mais temos é gente saindo das faculdades com uma bagagem a desejar, sabendo um pouquinho... o que na verdade não dá pro gasto. E agora, com todo esse aparato tecnológico, a capacidade para raciocinar ficará pior.

    Um abraço, Marcell.
    tais

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    1. Coberta de razão, prezada amiga! Colocação muito bem acertada sobre a lei do mínimo esforço.

      Muita paz!

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